O maior craque do time centenário

Ontem, quando cheguei à casa do mestre, ele estava sem turbante, com um guardanapo pendurado no peito e comendo um enorme bauru.
“Cheguei numa hora inapropriada, honorável Blackberry das almas?”
“Não, tudo bem, estou acabando meu lanchinho de regime?”
“De regime?”
“Sim. Não viu que tem uma folha de alface no sanduíche?”
“Ah, claro...”
“Quem você vai querer entrevistar hoje?”
“Eu gostaria de falar com um dos jogadores da primeira conquista daquele time que faz cem anos.”
“É para já”, disse o sábio dos sábios. Então tirou o guardanapo do peito, fez-lhe algumas dobras e transformou-o num belo e pequeno turbante, com o que mostrou que os símbolos mais nobres podem estar nas coisas mais simples.
Depois Zé Cabala engoliu o último pedaço do bauru, deu um longo arroto (que, imagino, deve ser seu novo mantra) e falou:
“Xandu ao seu dispor!”
“Quem?”
“Xandu. O zagueiro. Mas também joguei na lateral.”
“Nunca ouvi falar... Em que ano o senhor jogou no Corinthians?”
“Em nenhum. Eu era do Noroeste, que está fazendo cem anos neste primeiro de setembro.”
Xandu
“Ah, entendi a confusão... Bem, já que estamos aqui, por favor, diga qual a sua grande glória no Noroeste.”
“É fácil: eu estava naquele time que foi campeão do Interior em 1943, o primeiro título do clube A final teve dois jogos contra o Guarani. Ganhamos o primeiro e empatamos o segundo. Lembro até hoje de alguns companheiros: Amélio, Pé de Boi, Balbino, Chocolate, Lamonica, Crisanto, Adolfrizis, Cirilo, Albércio e Fontes. Aquilo é que era time!”
Xandu, Amelio e o implacável zagueiro Pé de Boi
 “E o senhor jogou muito tempo pelo Norusca?”
“De 1942 a 1954. Sou o atleta que mais atuou pelo clube: 341 partidas. E marquei 23 gols, o que não é pouco para um zagueiro.”
“Nenhum time grande tentou contratá-lo?”
“O São Paulo. Mas eu não sairia do meu Noroeste por nada.”
“O senhor devia ser bom de bola.”
“Modéstia à parte, eu jogava o fino. Era um zagueiro clássico, tranqüilo, expert em antecipações. Lembro até hoje o que o Diário de Bauru escreveu sobre mim: ‘Ele representa no campo uma garantia para o quadro e um tônico para os companheiros, além de maravilhar a torcida com sua extraordinária classe’. Nada mal, não é?”
“Nada mal. E o campeonato de 43 foi seu único título?”
“Não. Também estava no clube quando ganhamos pela primeira vez o campeonato da Segunda Divisão e subimos para a Especial, em 1953.”

Os heróis de 53
“Depois disso o Noroeste subiu e desceu algumas vezes, não?”
“É verdade. Viramos um time ioiô. Caímos em 66 e voltamos em 70, caímos em 81 e voltamos em 84, caímos em 85 e voltamos em 86, caímos em 93 (numa derrota por 4 a 2 para o Mogi Mirim, com direito a gol do meio do campo de Rivaldo) e voltamos em 2005, caímos em 2009 e subimos este ano, com o vice campeonato.”
“Vocês disputaram até um Brasileiro, não é?”
“É. Em 1978. E naquela disputa contratamos o Jairzinho, o ‘Furacão de 70’.”

Jairzinho com a camisa do Norusca
 “Foi um daqueles campeonatos com muitos clubes?”
“Só setenta e quatro. Ficamos em 28º. lugar.”
“Fora o Jairzinho, outros craques passaram pelo Noroeste?”
“Vários. Fedato, Lela, Natal, Careca, China, Tobias, Gilberto Costa, Ronaldo Marques, Catanoce, Cilinho, Chico Espina, Barbiroto, Wagner Mancini, Lorico, o gigante Julião, grande goleiro da década de 50, e Baroninho, que foi bem no Palmeiras e campeão mundial pelo Flamengo. Mas o mais importante mesmo foi o Toninho Guerreiro, que começou no próprio Noroeste. Quando ele tinha 18 anos, em 1960, fizemos uma grande campanha no Paulistão: 17 vitórias, 6 empates e 11 derrotas. Ficamos em quinto lugar.”
Guerreiro

“O senhor tem alguma mágoa com o futebol?”
“Eu só lamento não poder estar presente no centenário do clube. No dia 28 de julho, com 90 anos, fui ver a grama pelo lado da raiz. Mas tudo bem, assistirei às comemorações sentado numa bela nuvem, um camarote divino.”
“Ficou emocionado?”
“Quem não fica ao escutar aquele hino?”
Então, o iPhone dos espíritos ficou de pé, pôs a mão direito sobre o coração e começou a cantar:
“Avante, avante, Noroeste. Bauru, com emoção, alça essa bandeira alvirrubra ao pé do coração! Avante, avante, mocidade, vanguarda varonil, e luta por Bauru que é uma cidade maravilhosa deste Brasil. Avante, Noroeste, honra a camisa e, em máscula vitória, no peito e na raça, com garra e amor, escreve a tua história.”

Por: Blog do Torero

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