Domingo,
25/11/2012, capital do estado mais populoso da federação e depois de uma
de suas noites mais violentas (onze mortes espalhadas pela cidade), a
cidade amanhece e algo respira “competições esportivas”. De um lado, no
bairro de Interlagos, logo depois do almoço a decisão do campeonato
mundial de Fórmula 1 2012. Na beirada do rio Tietê, a colônia lusa está
apreensiva com seu time e reunida para torcer (e rezar, dedos cruzados),
com a Portuguesa ameaçada de
rebaixamento. No estádio do Pacaembu, após muitas sentidas
manifestações, os palmeirenses expõem sua incontida ira ao rebaixado
time do coração e num outro local, no tradicionalíssimo campo do
Nacional Atlético Clube, estádio Nicolau Alayon, fundado em 1938, na
Barra Funda, beirada dos trilhos e defronte centros de treinamentos de
dois dos mais famosos times de futebol brasileiros, o do São Paulo e
Palmeiras, acontece uma emocionante final esportiva, movimentando outro
tipo de público.
A
entrada pela movimentada rua Comendador Souza começa a apresentar uma
desproporcional movimentação para uma manhã dominical e isso já a partir
das 9h. Crianças chegam em ônibus trazidas por uma das agremiações, o
Audax Esporte
Clube e ocupam toda a parte coberta do estádio, sendo recebidas com a
distribuição de bandeiras e recebendo o treinamento de instrutores
devidamente preparados para a recepção, bancados pela direção de nada
menos que a do empresário Abílio Diniz. Uma gestão profissional que está
a encantar meninos espalhados Brasil afora e que nesse ano, com seu
time profissional chega à decisão da Copa Paulista, um torneio inventado
pela FPF – Federação Paulista de Futebol para movimentar os times de
futebol paulistas, principalmente do interior, para que não permaneçam
parados no segundo semestre. “Não resolve o déficit de nenhum clube, mas movimenta
e o único alento é uma vaga para o campeão, o direito de disputar a
Copa do Brasil do ano seguinte”, explica um dirigente de um famoso time
interiorano, que prefere não ser identificado e ali presente em busca de
revelações.
Essa
uma das movimentações. Do outro lado, ocupando um espaço muito maior,
quase toda a área descoberta do estádio chegam aos borbotões torcedores
de um tradicional time interiorano, o Esporte Clube Noroeste, da cidade
Bauru, 350 km da capital. Fundado em 1910, passou por altos e baixos e
nesse últimos anos, após dez anos de relativa calmaria administrativa,
quando foi gerenciado
por Damião Garcia, um bauruense fanático por futebol, dono da Kalunga,
hoje octogenário e que no meio do torneio, dois meses atrás decide que
não mais continuará investindo um valor de aproximadamente $ 400 mil
reais mês na manutenção das despesas. Foi um choque e sentido não só
pelo time, cidade, como seus torcedores. Daí nasceu uma união pouco
vista, até com contribuição de alimentos imediatos para sua cozinha,
nascendo daí uma força extra, que impulsionou todos para uma nova
postura, dentro e fora de campo. Do descrédito inicial, tendo depois a
garantia dos salários pagos até o final do ano, foi buscada uma força lá
junto aos “deuses do futebol” e o time chega impávido e colosso à final
do campeonato. “Para um time que iria fechar as portas em dois meses,
fomos longe demais e provamos que nem tudo está perdido”, conta um dos
torcedores na porta do estádio, o jovem, Bruno Lopes, 33 anos, um
fanático torcedor que montou chapa e enfrentará o pleito para renovação da diretoria, marcado para o próximo 04 de dezembro.
Situações
antagônicas. Ambos até bem pouco tempo eram raras exceções dentro do
futebol paulista, onde a maioria dos times apresentam sérios e profundos
problemas financeiros. No Audax, criado desde o início como algo
inovador, revelador de talentos e voltado para o atendimento do lado
social das empresas ligadas ao grupo Diniz. No Noroeste, um cada vez
mais difícil mecenas bancava tudo, sem muitas explicações de valores e
apresentação de balancetes, mas o time havia mudado da eminente
catástrofe para a navegação em águas serenas. Com a torneira
sendo fechada, o bicho começou a pegar e a nau começou a fazer água.
Surgiram três chapas tendo torcedores à frente e uma terceira via se
apresenta com novos empresários querendo investir no segmento futebol.
“Bauru vive dois momentos hoje, com o Bauru Basquete, um time a disputar
a liga principal desse esporte e bancada por empresários locais e o
Noroeste, uma espécie de irmão pobre, sendo um quase renegado. Sabe
aquilo da classe abastada escolher um segmento e olhar pouco para outro.
Seu Damião bancou tudo sozinho até agora e quando sai, tudo volta à
estaca zero”, diz Cesar Meleiro, bancário aposentado e fanático torcedor, desses a acompanhar o time em dias de chuva e sol, “na alegria e na tristeza”, como gosta de apregoar.
A
final teve duas partidas. Na primeira, realizada em 17/11, o Noroeste
ganhou de 2 x 1 e depois disso foi feita uma campanha de peso na cidade,
capitaneada pela Sangue Rubro, a única torcida hoje existente, com 26
anos de estrada e sina de persistência no amor a esse time, que outrora
havia sido um imponente clube, mas hoje restringe-se suas atividades no
futebol, em várias categorias. Ali no estádio via-se o resultado do
empenho, quando aproximadamente 500 pessoas se acotovelam na área
destinada a eles. Além dos seis
ônibus vindos de Bauru (um pago pelo time só para trazer esposas e
parentes dos jogadores), muitos residentes em São Paulo e algo pouco
visto em outros estádios. “Descobrimos existir um time varzeano na
capital, o Noroeste, na Zona Oeste e eles estão aqui conosco, com faixas
e muita gente. Junto deles, integrantes das torcidas organizadas do
Grêmio, de Barueri, do São Bento de Sorocaba, do Santo André, do São
Caetano e até gente de
Americana. Sempre gostamos dessa integração e hoje comprovam como é
possível sermos todos amigos, mesmo sendo adversários algumas vezes”,
conta José Roberto Pavanello Silva, um dos seus líderes.
De
um lado as crianças gritando (e muito), junto de pais e gente ligada
aos supermercados da rede da família Diniz. Do outro, uma massa
inflamada representando os sonhos dos tradicionais times interioranos
paulistas. Ali dava de tudo, até um torcedor vestindo as roupas de Papai
Noel, outro ilustre a envergar as cores vermelhas como vestimenta. A
alegria foi geral, pois o time não
se intimidou por estar no campo do adversário (esse alugado para mandar
os jogos do Audax) e em número maior, viu o elenco jogar sempre para a
frente e pressionar do início ao fim. Aos 20’ do segundo, o camisa 11
Diego entrou na área e fez o gol da vitória, em algo inebriante, como
uma espécie de redenção a sanar todos os percalços vividos até então. Um
bandeirão sobe e toma conta da arquibancada e a festa não teve mais
hora para encerrar. Nela até os abnegados funcionários do Audax se
juntaram, inclusive às crianças e numa espécie de congraçamento se
uniram para o
levantamento da taça, que pela segunda vez vai para Bauru (havia ganho
anteriormente em 2005). “Eu sou de Penápolis, moro na Barra Funda e não
perco jogos dos times do interior, aqui e no campo do Juventus. Vim pela
saudade que me dá e por não encontrar esse clima nos jogos dos
grandes”, conta o aposentado Rafael dos Santos, juntando-se à massa no
final da contenda.
Pouco depois do meio-dia, estádio já vazio, restavam jogos nos vários campos locados
pelo Nacional, sempre cheios, local de movimento e concentração de
boleiros, famosos e anônimos. Os bauruenses curtiram esse clima até não
mais poder, felizes da vida. Sabiam que o time estava sendo desmontado
ali naquele momento, técnico para um lado, craques para outro e eleição
em dez dias. Tudo incerto e não sabido, mas cheios de esperança. Por
volta das 18h chegam os ônibus de volta à Bauru e na entrada da cidade
permanecem aguardando a chegada dos atletas, o que ocorre depois das
19h. Na espera, numa fila no início da avenida Getúlio Vargas, o point
da dita "modernidade" da cidade algo surreal, quando esse bando de gente
envergando vermelho em suas vestimentas assusta a alguns moradores de
condomínios na região. “Que seria isso? Será o MST querendo ocupar
os Altos da Cidade? Ah, é o Noroeste, mas ele jogou hoje, onde foi? Nem
sabia”, foi algo ouvido por alguns torcedores e recebido com certa dor,
demonstrando existir uma explícita divisão de gostos e preferências
entre as classes sociais bauruenses. O jogo havia sido transmitido ao vivo por dois canais de TV e por duas emissoras locais de rádio.
O PRIMO POBRE VENCEU ESSA - O RETRATO NU E CRU DOS AMORES A DOIS TIMES DE FUTEBOL, UM CENTENÁRIO E DO INTERIOR, OUTRO, DE EMPRESÁRIO E DA CAPITAL.
Carreata até a
sede do time, com muitos carros surgindo ao longo do percurso e uma
festa bancada em sua maior parte por um fanático torcedor, mais
conhecido por Uau-Uau, com uma barraca de lanches e cachorro quente
dentro do estádio e de forma ambulante em eventos. “Esse, mesmo pequeno
comerciante está sempre presente. Outros, muito grandes, viram às costas
e assim toca-se o barco. Já ouvi que um dos nossos craques está sendo
contratado nesse momento pelo Audax, que tem bala na agulha”, diz outro
torcedor, de forma anônima e com um copo cheio de chopp à mão. Dessa
forma o Noroeste e o Audax encerram suas atividades no ano de 2012 e na
manhã seguinte o presidente da FPF, Marco Polo del Nero recebe logo pela
manhã a visita da Polícia Federal, indicando que algo não anda lá muito
certo no seu ramo de negócio e, consequentemente, na própria entidade
presidida por ele.
Henrique Perazzi de Aquino, diretamente do Mafuá do HPA